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quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Artigo: DUAS NOTAS

I. Hoje é dia da cidade do Funchal, quando a capital caminha para os seus 500 anos. Obviamente que não somos uma cidade sem problemas, não vivemos sem dificuldades, não deixamos de nos confrontar embora em menor escala, com os problemas que quotidianamente afectam os cidadãos de outras cidades. Apesar de tudo, o Funchal continua a ser um espaço onde nos sentimos todos bem, uns melhor que outros, uns com mais problemas que outros, uns mais ricos e outros mais pobres, uns com mais outros com menos desenvolvimento. Somos uma cidade com pouco mais de 110 mil habitantes, demasiado pequena para nos quereremos comparar, sequer termos essa veleidade tonta, a cidades com dimensões superiores e, portanto, com problemas maiores. Eu acredito que ao Funchal se colocarão desafios novos, em grande medida resultante da impossibilidade de compatibilizar o crescimento natural e normal do centro urbano de qualquer cidade, com as especificidades das pequenas cidades, e que deveriam (devem) ser acauteladas. De que me serve ter uma grande superfície implantada no “coração” do Funchal, se depois o pequeno comércio, tradicional, entra em colapso? Braga – cidade que por razões pessoais visito com frequência, e que conheço bem há uns seis anos a esta parte – é exactamente o contrário, apesar de ter uma dimensão populacional e uma amplitude territorial praticamente semelhantes às do Funchal. Recordo que um estudo recentemente realizado, considerou Braga a cidade portuguesa “melhor para fazer compras no chamado comércio tradicional”. Quem conhece a cidade – onde não existem grandes superfícies comerciais no seu centro urbano - percebe porquê.
É um facto – e seria hipocrisia da minha parte passar ao “lado” - que politicamente o Funchal vive hoje momentos de alguma movimentação política, polémica que provavelmente tende a arrastar-se no tempo, tudo por causa do relatório de uma auditoria realizada pelo Governo Regional à Câmara Municipal do Funchal - ao que consta ao mandato anterior ao que foi iniciado em 2005 – documento que ninguém conhece, mas do qual muita gente fala em pormenor, o que não deixa de ser estranhíssimo. Confesso que a minha opinião é a de que a gestão deste processo pode não ter sido a adequada, o que nada tem a ver com qualquer forma de apologia – longe de mim tal intenção – de branqueamento de situações menos claras que, agora, pela projecção mediática que a assunto alcançou, precisam de ser cabalmente esclarecidas. Mas uma coisa é conseguir que isso aconteça, outra coisa é alimentar a especulação, o aproveitamento partidário que tem sido feito, sem qualquer consistência. Eu percebo que o PS ande freneticamente a pedir a perda de mandato do Presidente da Câmara, julgando-o antecipadamente, parecendo inclusivamente que continua empenhado num ajuste de contas” por causa da derrota eleitoral de Dezembro de 2005. É um comportamento normal neste partido. Não me parece eticamente correcto que se ande a julgar na praça pública as pessoas, seja quem for, emitindo sobre elas juízos de valor ofensivos para a sua dignidade e que, por absurdo, sejam políticos que, por razões que não vamos agora discutir, perderam (ou não?) o seu mandato autárquico, a reclamar a demissão do edil funchalense e a assumir-se como se de ”justiceiros” se tratassem, quando não são.
O que me parece essencial perceber, a partir do momento em que o documento foi legalmente remetido às entidades judiciais competentes, é que a especulação não pode ser alimentada assim como não se pode meter antecipadamente a cabeça-na-areia. Caberá às entidades judiciais uma decisão, pelo que mandaria a ética que os políticos não tentassem nem manipular, nem antecipar-se nem influenciar quem tem a tarefa de decidir com verdade, com isenção e com base em factos, não em suposições. Da minha parte, não farei mais nenhum comentário sobre esta temática até que seja confrontado com decisões em concreto. No final, a haver responsabilidades, nesse caso elas terão que ser assumidas por quem de direito. E nada mais tenho a referir.

II. João Carlos Gouveia multiplica-se em entrevistas como se isso lhe desse votos, ora anunciando uma audiência com um ministro mas depois é recebido por um secretário de estado, ora falando sobre trivialidades. Gouveia corre o risco de esgotar-se, de banalizar a presença de um político na comunicação social, mesmo que tenha encontrado – e tem encontrado – uma certa capacidade de “penetração” noticiosa. Gouveia tem que perceber que, nas legislativas nacionais de 2009, se joga o primeiro “round” do seu mandato. Um mau resultado do PS, dará origem, inevitavelmente, a movimentações internas antecipadas no PS local, onde alguns barões recusam a possibilidade de ser o actual líder o candidato nas regionais der 2011, ainda por cima, como já foi anunciado, sem ter Alberto João Jardim como candidato no PSD. Tenho, confesso, alguma dificuldade em admitir que o próprio Gouveia esteja disposto a sê-lo. João Carlos Gouveia, mais do que este protagonismo quase frenético que não o conduz a lado nenhum, nem lhe dará coisa nenhuma, tem que perceber, mais do que tudo isso, que precisa de mostrar a coragem – tal como prometeu aos seus correligionários - para concretizar as mudanças no seu partido. O problema de um partido, em momentos de fracasso e de desaire eleitoral, não se circunscrevem a mudar o líder, a não eleger vices, a conseguir umas tantas entrevistas na comunicação social, e a deixar tudo o resto tal como estava antes. Um partido que, por medo ou por comodismo, opte pela via mais fácil - neste caso até foi Jacinto Serrão quem facilitou as coisas, ao não se recandidatar – de mudar coisa nenhuma, vai bater de frente, vai estalelar-se contra um paredão. Para o PSD até é bom que isso aconteça, como facilmente se depreende. Para a democracia regional e para a perspectiva qualitativa da oposição regional, obviamente que será desastroso. Gouveia tem que conquistar o PS e desconfio que ainda esteja longe de o conseguir. E nem falo nas elites socialistas, nas poucas elites socialistas, porque essas, quase de certeza, não estarão com ele, porque não subscrevem nem a sua liderança, nem as suas ideias, nem o seu discurso, nem a sua forma de fazer política. Além de que, e insisto neste questão, Gouveia é uma espécie de “cristão-novo” nos socialistas, ao qual aderiu já em finais dos anos 90, sem qualquer percurso histórico anterior, salvo porventura uma cumplicidade efémera com o ex-PRD.

Luís Filipe Malheiro
Jornal da Madeira, 21 de Agosto 2007

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